Não lhes sei o nome.
Não lhes sei o nome mas sou capaz de arriscar alguns e por isso penso em Joana quando lembro aquele sorriso prisioneiro de um corpo desobediente e pergunto-me logo como viver num corpo desobediente sem fazer ideia de qualquer resposta minimamente decente e ainda assim a Joana incompreensivelmente feliz com a minha presença, tocando-me num desafio para o recreio, eu sem jeito, sem saber o que fazer, como reagir, não incomodado, esmagado, e logo a Joana corredor fora em direcção aos amigos que dentro de casa porque na rua aquela chuva pálida, sem vontade e por isso nada de pátio, eu de caderno na mão, fingindo escrever aquilo que não caberia em resmas inteiras de papel em branco, eu já a olhar o Jaime numa luta desigual, injusta, cruel, contra um iogurte natural, também ele prisioneiro de um corpo desobediente, miúdo, dez anos no máximo, um iogurte natural, lá fora a chuva pálida e eu a caminho da sala seguinte com uma palavra apenas na minha cabeça - dignidade, mais nada, os passos a desaparecerem bem por baixo dos pés, eu a escrever tremendos nadas ainda siderado pelo olhar fixo do Ricardo, tão directo, tão meigo, tão sereno, zero palavras apenas olhos - dignidade a repetir-se vezes sem conta, eu que à porta todo dores de cabeça, sinusites e outras maleitas dessa família, eu que só estava ali por causa de um simples anúncio, agora já na secção dos muito dependentes a imaginar como se contam os minutos daquela maneira, sem mais nada poder fazer ou dizer, apenas existir e estar ali, o Rui... um puto caramba, oito nove anos não mais, lá estou eu outra vez a escrever tremendos nadas, podia aqui ficar a esculpir as mais belas frases e por muito que me esforçasse, jamais conseguiria retratar a beleza daquelas pessoas todas, jamais faria jus à sua dignidade e talvez por isso, vou ficar-me por aqui, fechar um pouco os olhos e lá bem no fundo, desejar que aqueles corpos ganhem juízo de uma vez por todas e passem a ser mais obedientes aos seus donos que tanto merecem.