Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Deep Silent Complete

"Escrevo-me. Escrevo o que existo, onde sinto, todos os lugares onde sinto. E o que sinto é o que existo e o que sou. Escrevo-me nas palavras mais ridiculas...e nas palavras mais belas... Transformo-me todo em palavras." - José Luís Peixoto

Deep Silent Complete

"Escrevo-me. Escrevo o que existo, onde sinto, todos os lugares onde sinto. E o que sinto é o que existo e o que sou. Escrevo-me nas palavras mais ridiculas...e nas palavras mais belas... Transformo-me todo em palavras." - José Luís Peixoto

30
Jul08

Flashes.

Marco

À entrada havia um tremendo par de chifres mesmo por cima da porta que se abria com dificuldade, como que pedindo certezas absolutas antes de qualquer gesto. O tempo ali era pouco iluminado. Johnny Cash flutuando por cima das pessoas que nunca antes tinham sido tanto elas próprias. Ali, não lhes restava mais nada. Elas e elas. O balcão feito de madeira gasta e riscada suporta-lhes os cotovelos e os copos com que apagam as chamas que lhes fustigam a alma. Histórias avulso. Vidas longínquas a cruzarem-se naquele ínfimo ponto de coisa nenhuma, apenas elas e elas e mais nada, nem passado, nem futuro. Elas.

Na rua, havia o frio a ocupar o espaço deixado disponível pelos prédios e pelos carros e pelas pessoas que corriam a desviar-se dele. Havia uma noite que apressava todos os processos, como se esta tivesse cara de monstro ou fizesse mal à saúde, provocando a pressa, roubando tempo ao tempo. Um tempo de segunda. Menos valioso. Menos tempo. Feito para passar rápido, de fugida, num instante. Sobrava o frio, na forma de vento, derrapando nas esquinas, fazendo rodopiar as folhas desistentes, conformadas com a distância crescente entre elas mortas e elas vivas, alegres, no topo de uma qualquer árvore esquecida.

Da janela que nem é janela mas antes um ecrã gigante, o mundo ganha uma dimensão silenciosa que o torna estranhamente cinematográfico. Como se as pessoas fossem personagens e os seus movimentos tudo menos espontâneos, sendo cada gesto um pedaço do guião, cada movimento um acto ensaiado com minúcia, todos os dias, à mesma hora, no mesmo local. Da janela, ou melhor, no ecrã, o mundo é um local distante e existem personagens que se representam a si mesmas enquanto não passa a noite, que é tempo roubado ao tempo, do lado de fora da porta que se abria com dificuldade, como que pedindo certezas absolutas antes de qualquer gesto. 

1 comentário

Comentar post

Mais sobre mim

foto do autor

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2010
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2009
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2008
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2007
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2006
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D