17
Mar08
Viagens na minha terra.
Marco
A estrada faz-se estreita, em passos também eles estreitos, atentos a carros desatentos, apressados à passagem, sem tempo para se deterem com pormenores como o cheiro a interior, a poema, cheiro a tempo passado, cheiro a memórias, pormenores como as casas debruçadas sobre o caminho, espreitando-o curiosas, casas já velhas onde pessoas já velhas, desenhadas em traços rugosos a carvão pouco afiado, esperam a generosidade dos minutos com sorrisos verdadeiros, talvez já sabendo que as verdades existem debaixo das ilusões e talvez por isso sorriam à minha passagem, decifrando cada pedacinho do meu entusiasmo.Ao balcão do Frei Gaitinhas debruçam-se cinco homens pintados de pingos de tinta e riem e falam alto e bebem cervejas e comem amendoins e são felizes por instantes e nada mais lhes interessa, nem o trabalho, nem os problemas, nem as mulheres, nem o cansaço, nem a desilusão que existe debaixo da verdade que existe debaixo da ilusão. Aquele é o seu momento e eu admiro-os por isso. Faço por me demorar, apetece-me testemunhar aquele instante, aparece-me rir com eles, apetece-me reduzir-me à simplicidade, esquecer tudo, encher-me de pingos pintados de tinta e ficar ali até alguém me desenhe de sorriso aberto em carvão pouco afiado.
Em vez disso, regresso – gosto tanto da palavra regresso e da ideia de voltar a um lugar a uma situação uma vivência poder voltar a ser, e aproveito cada passo estreito para sentir por debaixo dos meus pés o peso impossível de um destino que me quis aqui ao mesmo tempo que lanço porquês que se me escapam, não entendendo determinadas lógicas tão estreitas como esta estrada por onde caminho e por onde escorrem agora os meus dias, límpidos como esta imensidão, generosos por me ensinarem que na vida nem tudo tem de ser elaborado ou complicado, pode ser apenas como caminhar atento às coisas belas que nos rodeiam e que fingimos não ver.