28
Fev08
Um inesperado adeus.
Marco
Nunca foi suposto eu vir a conhecer o senhor Cabral Ferreira visto que ele presidente de um clube de futebol lá para os lados de Belém – onde o Tejo se torna belo para além de todas as palavras que tento lembrar neste preciso momento, e eu um longínquo anónimo, um alguém que ninguém, preocupado com outros afazeres bem distantes das famosas quatro linhas onde tantas emoções se despertam e fluem ao sabor de uma paixão a que muitos sucumbem mas que poucos conseguem explicar através da racionalidade que pelos vistos, nada quer ter a ver com o desporto rei.Nunca foi suposto eu vir a conhecer o senhor Cabral Ferreira mas um desses afazeres obrigou-me a aproximar-me das famosas quatro linhas e Belém – onde os fins de tarde solarengos se tornam belos para além de todas as palavras que tento lembrar neste preciso momento, foi o local escolhido e foi onde ele, simpaticamente me estendeu a frágil mão, interessando-se por saber quem éramos e o que fazíamos, mesmo sabendo que o iria esquecer de imediato visto que a sua vida a escorregar-lhe, a consumir-lhe as últimas energias, a apagá-lo aos poucos como um desenho a sumir-se, a tornar-se sombra até que nada.
Nunca foi suposto eu vir a conhecer o senhor Cabral Ferreira e na verdade, nem sequer o reconheci quando se aproximou de mim, guiado pela sua bengala de madeira, metido dentro de um corpo que o traiu aos cinquenta e seis anos de idade mas do qual julgo que nunca se queixou a julgar pela frase “bem, deixa-me lá ir buscar as minhas coisas, que este deve ser o último jogo de Belenenses que vejo” e lá foi ele, em passos curtos e dolorosos, fumando um cigarro que já nem mal lhe conseguiu fazer, a caminho do seu gabinete, a caminho do seu destino. Apesar de nunca ter sido suposto, gostei muito de o conhecer e doeu-me saber que partiu.