07
Fev08
Naquele olhar.
Marco
Vi as azedas naquela indecisão verde amarela a pintar os campos de limonada e não vi nada disso, vi muito mais, vi o Estoril, vi o caminho para a natação, vi o fim de tarde, vi um miúdo pequeno a prová-las e a acreditar que as grandes escolhas da vida seriam entre aquele travo a coisa nenhuma e o doce dos pinhões conquistados ao mundo e quebrados à pedrada com a arte dos ourives. Vi que a primavera em vez do inverno, vi que as memórias vivas, presentes, vi e não vi nada disso, vi as azedas naquela indecisão verde amarela a pintar os campos de limonada.Vi a feira da ladra naqueles fins de manhã em que o sol parece pintar os recantos de magia e não vi nada disso, vi muito mais, vi os rostos do desencanto, vi passos errantes, descabidos, pessoas que restam de si mesmas, gastas de vida, vi isso e vi também que ia sozinho, vi que ia sem o Barradas e sem o Barradas a feira da ladra não é bem igual, é também um resto de si mesma, apenas um conjunto de sítios, a resistirem a um tempo que os consome em segredo. Vi e não vi nada disso, vi a feira ladra naqueles fins de manhã em que o sol parece pintar os recantos de magia.
Vi a palavra incerteza escrita em cada gesto e nas suas letras vi outras palavras, todas as palavras que disse, que escrevi, que pensei, que calei, que sonhei, vi e não vi nada disso, vi apenas que deixaria de ver, vi adeus em cada fragmento de instante que se desfazia, vi silêncio, vi desilusão, vi o tempo que nunca foi, que nunca será e nesse momento pensei que talvez seja esse o verdadeiro sabor das azedas, um travo a coisa nenhuma que pinta os campos de limonada e pensei que o sabor do vazio se parece muito com aquilo que sinto, sempre que aos sábados de manhã o Barradas não está comigo a ver a magia pintada pelo sol.