10
Jan08
O passado.
Marco
O passado é como a roupa que nos deixa de servir. Esta frase ontem quando eu a regressar de Lisboa, depois daqueles lugares novamente e mais do que os lugares, as pessoas, algumas pessoas, como se arrumadas e dobradas na gaveta, com aquele cheiro a tempo parado, fechado, anos a fio sem que luz, sem que olhares, sem que a vida, sem que nada, tempo parado, fechado no escuro de um roupeiro antigo, apenas ali, aguardando talvez que um dia, algum dia, de novo, por um momento, tocando o presente como se dia nenhum entre aquilo que foi e aquilo que já não é.Sou de repente capaz de lembrar uma velha camisola, julgo que de lã, vermelha com um enorme M branco no meio, M de Marco e eu com um sorriso todo ele esperança, inocência, reguilice, na fotografia da segunda classe. Sou de repente capaz de imaginar essa camisola e sei que se agora na minha mão, toda ela pequena, encolhida, cheirando a tempo parado, fechado, toda ela episódios idos, a professora Gertrudes, os trabalhos de casa, a natação, a Clara – como eu gostava da Clara!, as cassetes, o mini golfe jogado ao berlinde no Estoril, o Fernando que chamava de Fernandélio em resposta ao Marcaurélio dele...
O que diria eu hoje ao Fernadélio, diria Fernandélio?, perguntar-lhe-ia pela cassete dos Iron Maiden?, o que diria eu à Clara se a Clara de novo à minha frente?, mergulharia mais uma vez de chapão para a piscina só para a impressionar?, o que diria eu à professora Gertrudes se ela me passasse trabalhos de casa?, diria não me apetece nada?... Faltar-me-iam por certo palavras tal como faltaram ontem, quando decidi abrir uma gaveta há muito fechada, cheia de tempo parado, fechado, cheia de roupa que deixou de me servir e que por isso me pareceu tão estranha quando decidi voltar a experimentá-la.