03
Jan08
Ondas à deriva.
Marco
E finalmente que eu aqui sozinho, depois dos ruídos das horas triviais onde telefones e falas e risos e segredos e comentários e buzinas e cães que ladram não sei se de fome ou birra, nunca fui muito de animais, gosto deles só que o jeito de jeito nenhum e por isso desconheço se fome ou birra daquele cão que todos os dias às onze da manhã a ladrar como se o mundo à beira do seu fim, desviando-me das linhas de texto, dos pensamentos que procuro arrumar e tão difícil que é arrumar pensamentos, tarefa de iluminados que irritantemente parecem sempre saber quem são, o que querem e como consegui-lo.Aqui sentado, lembro de repente, um sorriso. O silêncio é tal que quase o ouço, som que existe dentro de nós, guardado, jogado fora no preciso instante em que se soltam as amarras da seriedade e pingam estrelas no olhos das pessoas, uma libertação, uma explosão. Lembro de repente, um sorriso. E depois as palavras que o acompanham, ditas como se ser feliz fosse simplesmente respirar, ditas desse jeito criança, ao pinotes sobre a gramática tocando-lhe apenas ao de leve, muito leve e logo depois, o som de uma onda, perfeita, a quebrar-se sobre o cristal precioso deste pensamento que agora me toma.
De repente lembrei-me. E se as ondas fossem todas elas, memórias? Aproximando-se devagar, umas perfeitas, outras nem tanto ou porque o vento, ou simplesmente porque não, e ao rebentar, a espuma dos tempos em que a perfeição se desenhava no bater acelerado de um coração que por agora, apenas em ritmo de rotina, mascarando-se de uma felicidade tão vazia como esta sala onde às horas triviais, todos os ruídos nos cegam este sentir mais completo que de repente me tomou e aqui se fez em forma de um texto que provavelmente ninguém mais compreenderá, mas que a mim, tanto me diz.