27
Nov07
O vendedor.
Marco
Quem o visse na rua poderia supor tratar-se daqueles vendedores de enciclopédias em fim de dia, com o nó da gravata a meio caminho entre os Restauradores e o Marquês de Pombal, o colete do fato a expor-lhe uma barriga inesperada e a camisa já meio fora das calças, amarrotada, a pedir cabide sabendo que o seu destino a máquina de lavar, escura, claustrofóbica, estonteante. O cabelo despenteado dava-lhe credibilidade e fez-me acreditar num dia cheio de vendas entre muitas portas que se lhe fecharam na cara, sem paciência, sem tempo, sem disposição.Eu vi-o na Aula Magna e por isso, tive a certeza de tratar-se do Josh Rouse, o Senhor Simplicidade, autor de melodias facilmente geniais, dando muitas vezes a sensação de estar a tocar em exclusivo para nós, neste caso para mim. Aliás, desconfio que ontem mais ninguém naquela bonita sala, estou certo que veio cá por minha causa, razão pela qual me encostei (não muito confortavelmente) na cadeira e me deixei embalar numa espécie de sonho acordado com banda sonora exclusiva, feita a pensar em cada ilusão como se a mais bela de todas, pintando-as de magia infinita.
Sempre quis ser músico. Poder ter a minha banda e correr o mundo a mostrar as minhas canções, tocando em salas cheias exclusivamente para cada pessoa. Falando-lhes à alma. Fazendo-as sentir. Gostava de ter esse talento e nem sequer me importaria de vender enciclopédias porta à porta para ganhar a vida, se necessário. Vestiria o meu melhor fato – colete incluído, colocaria a gravata das riscas azuis e ao fim do dia, correria para o palco, pegaria na minha viola e em cada acorde, um sonho, uma ilusão, o mundo inteiro. À falta disso, encosto-me na minha cadeira, ponho o CD, fecho os olhos e em seguida vou a correr ver quem foi que tocou à campainha.