26
Nov07
Domingo de febre.
Marco
Havia nesse domingo algo mais do que apenas domingo e acordar, e missa ao meio dia, e almoço na casa dos pais, e bacalhau cozido com grão (arroz de gambas em alternativa), e o Expresso na mesinha em frente ao sofá e uma ida à Amadora à procura de discos em segunda mão e regressar a casa ao fim da tarde – amanhã dia de trabalho, e levantar ainda noite e todo o trânsito do mundo até Lisboa, havia mais qualquer coisa que essas lágrimas não diziam – e tanto para dizer, essa magreza quase impossível, doentia, esse silêncio que me gritava ao ouvido palavras mudas, tristes. Hoje domingo e apenas domingo, certeza absoluta, desconheço os teus passos, ignoro se missa, se bacalhau (ou arroz), se Expresso, se Amadora, sei que amanhã segunda e eu longe de tudo isso, noutra galáxia, feita de certezas mais absolutas, há dois dias escrevi prefiro não sonhar a trair os meus sonhos e por isso cá vou eu, devagarinho, sem pressa nenhuma não vá o destino pregar-me alguma rasteira e depois um problema dos diabos, quilos de coisas para esquecer, fazendo lembrar o monte de roupa enxovalhada que se leva para a engomadoria a fim de recebê-la outra vez como nova.
Hoje domingo e no intervalo desta febre que me derrota, recordo a vida ou partes dela, impressiono-me com o que já fui e pergunto-me como serei daqui a muitos domingos, quando outra febre de novo e eu com tempo para mergulhar dentro de mim, tal como hoje e por isso estas letras, um domingo que não apenas domingo, muito mais do que isso, milhares de mentiras numa só verdade, tardia, cobarde, era isso que escondiam as lágrimas, e o silêncio ruidoso, triste, que hoje ao longe, nesta galáxia de certezas vagarosas, observo num misto de admiração e orgulho já que a roupa toda engomadinha, como deve de ser, pronta a vestir.