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Out07
As andorinhas da 3ª classe.
Marco
A fúria com que voavam, num frenesim incontido audível no fundo da rua, deixava antever uma viagem longa, rumo a paragens mais quentes, onde Inverno nenhum capaz de lhes gelar as vidas. Eram muitas, talvez todas as andorinhas que existem, dentro da copa daquela árvore, por certo nos últimos preparativos para a grande jornada. A esta hora, imagino-as alinhadas geometricamente no azul de um céu distante e no meu intimo, admiro-lhes a força de lutar pela sobrevivência. A coragem de partir rumo a um calor que aqui se esfuma a cada dia que passa.Lembro-me como se fosse hoje, aula de português, leitura, Salesianos do Estoril, 3ª classe, Professora Gertrudes e o seu cabelo dourado perfeito – tenho saudades suas Senhora Professora, andorinhas, o título do texto e eu fascinado com esses pequenos seres voadores, capazes da atravessar meio mundo para fugir ao frio que lhes prende as asas. Terá sido talvez há três anos que a reencontrei. Não resisti, toquei-lhe no ombro e perguntei-lhe – Lembra-se de mim? e no seu olhar, a dúvida que o seu “sim lembro-me” desmentiu, mas eu não me importei, soube-me bem voltar a dizer Senhora Professora.
Ontem, quando corria para encontrar o jantar que não me apetecia nada ter de fazer, detive-me uns minutos a contemplar tamanho espectáculo, a copa da árvore viva, uma quase bomba relógio e naquele preciso instante sentei-me na minha carteira, abri a mochila verde da Adidas, puxei do livro de leitura, procurei a página do texto andorinhas e comecei a ler num enorme esforço por não me enganar na pontuação para que a Professora Gertrudes não se zangasse comigo, não vá ela reencontrar-se comigo daqui a uns anos e dizer-me, aí sem dúvidas – o menino Marco precisa de corrigir a sua leitura.