21
Set07
O cata-vento.
Marco
O cata-vento guinchava talvez já da sua idade avançada e naquele ruído todo, um grito enorme se calhar de desespero, cansado do rumo que nunca tivera, numa vida toda ela tonta, preso ao seu próprio peso impossível, às vontades que se lhe escapavam apenas porque sim, num sopro que sempre lhe arrancara expectativas, apontando-lhe um destino que mais tarde lhe fugiria de novo. E o grito. O grito enorme, rasgando o silêncio de uma manhã ocupada demais para lhe prestar um pouco de atenção.O mundo era tremendo aos seus olhos, visto lá bem do alto onde supunha que existia. Passava os dias a querer abraçá-lo e por isso, sonhava poder soltar-se e voar voar, dias a fio e pisar a terra, pisá-la apenas, sentir a sua firmeza e tocar-lhe, tocar-lhe com força, cheirá-la e depois percorrer todos os caminhos que tão bem conhecia lá do alto onde supunha que existia. Queria calar a revolta com que se arrastava, o guincho com que dizia adeus aos seus sonhos, levado pelo vento teimoso e inclemente.
Sozinho, sabia que podia tudo e sabia que não queria mais girar sobre si mesmo, nesse movimento ruidoso e traiçoeiro, castrador de sonhos. Queria varrer a ferrugem do seu espírito e voltar a luzir ao sol, belo, esplendoroso, livre, capaz de engolir o fresco de todas as manhãs num mundo que lhe parecia distante demais. Não queria mais supor que existia. Viver não era assim, era tudo o resto, era a sua vontade, o seu destino, um destino adiado, sempre adiado por esse vento que tristemente, não parava nunca de soprar.