05
Jul07
No lugar da incerteza.
Marco
É estranho este sítio. Fechado dentro de um silêncio ruidoso, onde vozes me puxam com a força de um Hércules enraivecido com a vida. Tenho os braços esticados – será que podiam fazer menos força?, esticados demais, sinto-me em ruptura, vergado ao peso impossível das coisas que têm de ser, porque inevitáveis, postas à minha frente para mim, gritando o meu nome nesse silêncio de que falo, as tais vozes e o Hércules, neste sítio estranho onde estou agora, a meio caminho entre a certeza e a falta dela.Como diz o meu amigo Filipe, a vida às vezes parece um pião de madeira lançado por uma corda – confesso que nunca soube como fazê-lo, girando sobre si mesmo e podendo cair a qualquer hora... para qualquer lado. Aparentemente tudo certinho, cheio de força, convicto de todas as voltas, sempre disposto a mais uma, e outra, e outra, para depois já nada, caído num qualquer lugar, de certo tão estranho como este agora aqui, parado, à espera que a corda de novo, e de novo certinho, cheio de força, convicto, ainda que noutro sítio.
Preso às palavras que sabia um dia ter de dizer, saboreio este meu último silêncio com o peso de cada letra a remoer-se-me na barriga, dando a sensação de adeus a todos os segundos que passam por mim. Observo o que me rodeia já com a saudade de um fado inesquecível, calo as vozes que me gritam e finto o Hércules, fugindo-lhe escadas acima, onde me espera o peso da inevitabilidade. Gire o pião para onde girar, que a sorte o leve para o melhor dos caminhos e que pedra nenhuma o faça tropeçar antes de tempo.