30
Mai07
Ele o gato.
Marco
Levantou-se cedo, ainda a manhã era apenas um projecto e lançou-se na escrita de mais um capítulo da história que ultimamente lhe ocupava o tempo. Queria desbravá-la, fazê-la acontecer. Queria saber o que seria de todos os personagens que viviam na imaginação, dependendo dela numa estranha relação de certeza e incerteza. Lá fora tudo triste, de cor cinzenta, quase sem cor, quase sem vida. Parecia chover sem chover. As vidas a movimentarem-se por entre os seus dedos, acontecendo ao ritmo das suas palavras. A sua vida parada, suspensa no cimo daquela história. A sua vida parte da história e a história parte da sua vida. Levantou-se, queria existir antes de se escrever, queria ser personagem principal, queria viver um final feliz, folhear todas as páginas da sua existência, uma a seguir à outra. Lá fora, nada de diferente, apenas um gato a equilibrar-se no muro de sua casa.
Os gatos são seres curiosos. Deslizam pela vida, ágeis e independentes. Gostam de gostar à sua maneira, quase distante embora quase próxima. Têm vontade própria, como se soubessem sempre o que de melhor há a fazer no instante seguinte. Têm sete vidas. Assim como o escritor, esse inventor de vidas agora quieto, de pé, a observar aquele felino com patas de algodão. Sorriu-lhe e ao mesmo tempo, recordou a pessoa que o ensinara a apreciá-los. Depois sentou-se e voltou a escrever.