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Mai07
Reflexos.
Marco
Talvez porque hoje a noite serrada, talvez porque a chuva incansável, é possível ver na estrada reflectidos todos os pontos de luz que suspensos no ar, como se um enorme espelho rasgado à minha passagem apressada. É tarde. Ouço ainda o som estridente da felicidade, como se um eco presente no meu interior, rasgando-me de alto a baixo, tal e qual eu faço com este reflexo por debaixo de mim, transformado num plural à medida que o deixo para trás, para sempre. Nunca mais o verei. O passado. Presente. Ali, como se o tempo não tivesse sido tempo. Um futuro impossível mascarado de momento, mas apenas isso. Estranho. As pessoas sorriem-me com uma ironia que desconhecem. Quero fugir. Não posso. Estou cansado sem que ninguém perceba, digo-lhes que sim gritando-lhes que não enquanto vou assistindo à parada da alegria. Os minutos demoram horas a passar, eu a contá-los para voltar a ser apenas eu, tenho saudades de mim, quero reencontrar-me comigo.
Acelero. Vou pisar a lua que caminha para cheia, meio escondida por entre as nuvens que não param de chover. Acho piada à água que cai no vidro da frente e que é varrida, atirada para o chão, onde se junta à outra que lá repousa. Estou quase a chegar. Será que me espero? A lua já lá vai. O passado. Presente. Os sorrisos. Tantos. Eu a gritar calado. Estarei a fugir? Não sei responder. Por fim paro. Saio, olho para baixo e vejo-me reflectido...sou de novo eu. É tarde. Corro para casa. Amanhã, felizmente, é amanhã.