16
Mar07
Naquela fracção de tempo.
Marco
Era já tarde quando chegou, não sei, talvez uma meia noite, talvez mais, era tarde quando chegou e abriu o portão para poder entrar. Este lento, este da direita para a esquerda, lento, demorando segundos vazios de tempo, ainda por cima tarde, já noite dentro, ele cansado, o portão lento até que por fim aberto, finalmente aberto para ele entrar e ele entrou, cansado, pensando em tudo e em nada, procurando chaves, revolvendo memórias, arrumando ideias ou a falta delas, até que stop, carro parado, noite parada, vida parada.Os passos, rápidos, carregados, o chão fugidio debaixo dos pés, a deslizar e mais passos até à porta, fechada, sempre fechada. O portão novamente lento, da esquerda para e direita, fechando-se do mundo, como um muro, uma fronteira, uma barreira. Novamente as chaves, aos gritos, até que a tal, a escolhida e naquele momento, naquela pequena fracção de tempo, outro mundo, outra vida, imaginada, outra realidade do outro lado, esperando, possível, o som da porta, outra realidade, possível.
A porta aberta, a luz acesa, o corredor na sua frente, quieto, adormecido, acordado por breves instantes e de novo adormecido na escuridão, as escadas, desertas até que por fim o seu mundo, o seu refúgio, reflexo de si mesmo, à sua espera, também quieto, também adormecido. A realidade tal como ela é, realidade, longe da imaginada naquela fracção de tempo, vazia, quase desoladora, real demais para poder ser realidade. Sorte que era tarde e como era tarde, deitou-se, esqueceu-se e dormiu até hoje, aqui, agora.
A realidade que espere.