29
Jan07
Por entre silêncios.
Marco
Fechou a porta. Teve de o fazer, embora contrariado, vergado a uma lei que o transcende e ultrapassa. Ainda antes, numa fracção de segundo que cedo se evaporou, ouviu com estrondo o elevador a despedir-se e descer lentamente para longe de si, perdendo-se na noite. Depois a porta, finalmente a porta, a fechar-se, como um muro, uma barreira alta, sempre tão difícil de transpor. O silêncio da casa vazia. O silêncio do mundo longe do mundo, à parte do mundo, maior do que o mundo. Lá fora a chave na ignição, o motor, o arranque, a distancia. Uma estrada a crescer a cada instante, um caminho a desenhar-se maior à medida que os dois pontos que lhe deram origem ficavam cada vez mais longe um do outro, como um tapete que se desenrola infinito. Para trás, ficavam breves instantes de tempo cheio agora a existir vazio, fechado por uma porta que bateu, seca, na noite. Novamente a estrada, a crescer. Novamente o silêncio do mundo, à parte do mundo, maior do que o mundo.
Os passos lentos dentro da casa vazia. Um após o outro, acompanhados com pensamentos de tristeza, de saudade, de esperança, de memória. Os objectos, todos eles familiares, todos eles testemunhas de uma vida inteira ali vivida. Uma porta. Uma porta que atravessara e fechara milhares de vezes agora intransponível, delimitando a fronteira entre os sonhos a uma realidade que lhe fugia, inevitável, estrada fora, para longe de si. E novamente o silêncio do mundo, à parte do mundo, maior do que o mundo.