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Dez06
A estória do contador.
Marco
Um dia o contador de estórias sentou todos à sua volta, como sempre fazia, e começou por um era uma vez diferente de todos os outros, mais grave, circunspecto, quase dramático. Talvez aquela vez tivesse mesmo sido uma vez na sua ou numa outra qualquer vida e por isso o contador de estórias tinha o rosto sério, como que segredando o mais valioso e profundo de todos os silêncios, finalmente acabado.Há silêncios que o são durante demasiado tempo. Guardados muitas vezes numa gaveta dentro de nós próprios, dobrados mesmo por baixo da angústia e por lá vão ficando, transformando desejos em rendições, vontades em desistências. São pesados esses silêncios, rasgando no peito um buraco difícil de sarar, indo para baixo e para baixo. Tão para baixo que impossíveis de resgatar, de partilhar, de falar.
Nesse dia, o contador de estórias falou, falou, falou. Volta e meia soltava um sorriso, mas o brilho dos seus olhos não enganava ninguém. Havia muita emoção naquelas palavras. Havia vida não vivida, havia amor não amado, havia tempo que não voltaria a ser tempo. O seu tempo. Porém, quando as suas palavras se esgotaram, o contador de estórias levantou-se e saiu a correr. Parecia ter pressa. Parecia ter voltado a acreditar. Estava mais leve.
Dizem que correu atrás da vida, do amor, do tempo.