20
Nov06
Ele e a neblina.
Marco
Ele dizia sempre que essa manhã havia de chegar. Esse era o seu argumento e mais do que isso, a sua esperança. Repetia-o vezes sem conta perante tudo e todos. Mesmo quando lhe diziam esquece, essa manhã nunca vai existir, nunca vai chegar. Prontamente abanava a cabeça, tapava os ouvidos e saía a correr para a rua, onde com mágoa constatava um nascer de dia igual a todos os outros. Triste, cinzento, nublado. Cheio do mesmo nevoeiro que há meses lhe turvava a vida.Não se recordava ao certo do primeiro dia de névoa. Como nascera, porque nascera. Sabia-a apenas lá, todas as manhãs no raiar de cada dia. Sabia-a lá em vez daquela visão que tivera uma, duas três vezes e que não conseguia esquecer. A visão pela qual se apaixonara. Chamavam-lhe sonhador, idealista, louco, sim alguns chamavam-lhe de louco, mas ele não ligava. Continuava a falar daquelas manhãs em que o sol lhe aquecera a face com o mesmo entusiasmo, com o mesmo brilho nos olhos.
Era esse entusiasmo e esse brilho nos olhos que levava consigo todas as noites para mais um adormecer. Mais uma noite de sono guiada pela esperança do reencontro, desta vez em definitivo, com o sol da sua vida. Dormia quase que à pressa, sonhava, tornava a sonhar e ao amanhecer, corria para a rua com o coração aos pulos, na esperança de sentir o seu calor a embater-lhe na cara. Era assim todas as noites, todas as manhã. Como na de hoje. Olho a janela, e lá está ele, pelas ruas, tentando vencer a neblina.