Anónimo.
Maquilho-me das mais belas palavras e por entre elas, o meu rosto escondido, a minha face oculta, sem nome, sem formas, sem defeitos nem virtudes, apenas as mais belas palavras que desta maneira sempre incompletas, deixando pistas sem destino, um mapa sem tesouro e a pergunta por certo a repetir-se insistentemente na tua cabeça - porque te escondes tu? sem que nenhuma resposta deste lado, apenas as sombras que decido mostrar, nada mais, prefiro que assim seja, sou do tamanho desta distância, sou as coisas todas que nos separam, sou tudo isso e nada aos teus olhos, zero, oculto-me de ti, por debaixo das mais belas palavras para que me leias sem ver, para que me sintas sem tocar e digo mais - é justo que assim seja, acrescento mesmo - pergunta-te, foi para isso que me levantei hoje tão cedo e me fixei frente ao espelho, a confrontar-me comigo mesmo, a olhar-me nos olhos, desenhando forma a forma como se um relojoeiro - tic tac tic tac, gosto da palavra minúcia, com a minúcia de um ourives, a arte de um escultor, dando forma à forma para que na tua cabeça - porque te escondes tu? sem que nenhuma resposta deste lado, apenas um leve perfume que não encontrarás nunca, o cheiro de todas as coisas que nos separam e um aroma a coisa alguma que tanto gozo me dá - confesso! este estranho poder de me evaporar e alastrar-me por entre os passos que dás, a julgares-te se calhar seguro, se calhar confiante, senhor de todas as coisas que te rodeiam e no entanto - porque te escondes tu? e eu desta até te respondo, não me escondo, eu sou assim, sou isto, sou uma forma de não existir, sou a impossibilidade, sou o que não é e porque assim sendo, nada sou, fico-me por aqui, maquilhando-me das mais belas palavras e por entre elas, uma secreta esperança, a esperança de que um dia, nem que por uma hora, um instante, uma fracção, tu, à minha frente, olhos nos olhos, sem perguntas, sem questões, sem nada, apenas tu e a tua certeza. Absoluta!