Jorge, o homem orquestra.
Estou certo que a porta e a vassoura apenas para nos distrair e não só a porta e a vassoura, a camisa - religiosamente apertada até nos sítios onde nenhum botão, o pullover - com motivos de que a moda há muito se esqueceu, mas sobretudo a pele - não faço ideia como fez aquilo, a pele de um rosa quente cujo segredo apenas os avôs, a pele a disfarçá-lo de antigo e no fundo, a permitir-lhe a magia sem que nós perguntas, nós apenas sorrisos e admirações perante o homem orquestra, todo ele violoncelos, contrabaixos, flautas e trompetes, todo ele canções, melodias, poemas e cortesias, o Jorge, um príncipe encantado disfarçado de plebeu e a suprema arte de ser de verdade, viajando pelo tempo das grafonolas, girando a manivela que lhe dá vida e soltando aquele som imperfeito de onda-média, o Jorge, o mago da simplicidade arrancando palmas a um exército de incrédulos - quem será aquele homem? que disfarçava espanto com sorrisos enquanto ele anunciava mais uma - estou aqui para trabalhar, e trabalhar deve ser coisa a que cedo se habituou, de maneira que me deixei ficar, certo que a porta e a vassoura apenas para nos distrair e não só a porta e a vassoura, a camisa, o pullover, mas sobretudo a pele - rosa, a disfarçá-lo de antigo e no fundo, a permitir-lhe a magia sem que nós perguntas, nós apenas sorrisos e admirações, eu mais do que isso, eu de olhos bem fechados, imaginando o Jorge com cara de miúdo, fato polido e cabelo direito, de batuta na mão, mostrando à música por onde voar, dizendo-lhe o caminho certo para chegar até mim, que apesar de viver no mundo das coisas repetidas, não me esqueço nunca do meu onda-média por onde, volta e meia, sai uma música encantada, imperfeita, ainda do tempo das grafonolas.