Dez infinitos minutos.
Havia no brilho daquele olhar o tamanho inteiro da eternidade, havia encantamento juvenil e quase aposto que, se dependesse dela, o sol não se poria nunca, ficaria ali parado, se calhar pendurado por uns cordéis às nuvens mais próximas e o tempo deixaria assim de passar para que ela sempre feliz daquele jeito, a ser ainda capaz de se surpreender tantos anos depois da primeira vez, tantos anos depois da pele de seda e dos cabelos brilhantes, ali parada, suspensa, dentro de um corpo feito de intermináveis socalcos, a enamorar-se pela simplicidade da vida, ao som do bolero de Ravel tocado num saxofone flutuante e comigo bem ao lado, completamente desatento das coisas óbvias, só a pensar no tamanho daquela eternidade, ali, na praia fluvial do jacaré em João Pessoa, Brasil, essa terra tão cheia de tudo onde apenas a palavra imensidão parece fazer sentido, eu desligado da realidade e a pensar numa frase ouvida dias antes - viajar é acrescentar dias à vida, e sim, claro que é verdade, diria até mais, viajar é também acrescentar vida aos dias, são bolhas de tempo onde existimos de maneira diferente, é pertencer onde não se pertence, é ver como seríamos noutro sítio, noutra vida - e que grande viagem deve ter feito aquela pessoa, aquela senhora de olhos azuis esquecida pelo destino, olhando fixamente um sol que lhe escorregava por entre os dedos, derretendo-se nas águas daquele rio de pintura barata a óleo vendida numa dessas lojas de mil quadros iguais, a perfeição feita banalidade e talvez por isso eu distraído dela, convicto de que muitas mais pinturas como aquela durante a minha vida, mas receoso que um desencontro do acaso me leve a não mais mergulhar dentro daquele olhar de cristal onde por dez minutos, coube o tamanho inteiro da eternidade.