Música para os ouvidos.
Existe ao final de cada tarde uma hora misteriosa, secreta, em que o vento decide aparecer para fazer as árvores cantar à desgarrada qual fado vadio
- Rhandy Roads era mesmo um poeta da guitarra
e nesse preciso momento, é sabido que o Zeca estará provavelmente a dormitar o sono que os javalis lhe roubaram à noite e estará provavelmente já com saudades do seu Comandante que nisto das hierarquias os bichos não brincam, contando cada minuto até poder adorá-lo de novo, sempre altivo, distante e próximo, frio e caloroso, o Comandante outrora cruzando oceanos, tratando ventos e marés por tu, chamando os nomes certos a cada peixe que de visita ao passar do navio, atando e desatando nós e nós a vê-lo, a seguir-lhe os passos até ao fim do mundo, lá, onde os Romanos decidiram um dia rasgar caminhos
- Agora estou de Beatles, Let It Be
para que nós, de pedra em pedra a contemplar tamanho silêncio - que bem soa o silêncio, as rãs a medo saltando à deriva, fugindo não percebo porquê, o cheiro a final de tarde, só nós e o fim do mundo
- Curioso o último dos Beatles ser o meu primeiro
só nós e a certeza de que as árvores já cheias de preparos para a Diplomata, sentada sob o telheiro a perceber-lhes a tremideira, longe do tempo, perto das estrelas dançarinas, a Diplomata e a sua serenidade, a sua aceitação, o seu conhecimento, sabendo já de gingeira que àquela hora as ovelhas vão percorrer o carreiro rumo à sombra fresca dos sobreiros para mais uma noite de lua acesa, a noite a chegar, é tempo de seguir o Comandante estrada acima, ele a explicar-me os segredos da terra e eu outra vez puto charila, por minha vontade voltava já amanhã, ia direito ao rio para lhe mandar pedras achatadas na esperança de as fazer saltitar mais do que três vezes - desculpa avô Tóino essa nunca consegui aprender, e depois quando o sol se pusesse, pediria desculpa às pessoas já sentadas e passaria em dificuldades até ao meu lugar bem no centro da plateia, mesmo a tempo de ouvir a vento mandar as árvores cantar.