Os heróis de Margarida.
Dentro de um cesto que provavelmente já algo desgastado destes anos seguidos de abre e fecha, ela guarda-os a todos delicadamente, respeitando cada um como se peça fundamental de um todo, admirando-lhes a certeza, bebendo-lhes a determinação, agradecendo-lhes aquela vontade férrea para combater em nome de uma causa, um propósito, um destino glorioso para o qual foram talhados desde o dia um, desde a hora inicial, antes de todos os males, primeiro do que todos os azares, no tempo das convicções absolutas em que guerra nenhuma possível de ser perdida, em que sorriso algum capaz de ser apagado, esquecido.
São os seus soldadinhos de miniatura, um exército de invencíveis em fardas de mil cores e rostos de certezas intocáveis, uns de verde escuro e metralhadoras automáticas, outros de peito inchado em vestes de revolução com a suas espingardas manuais, outros, menos, escondidos atrás de potentes canhões, prontos a disparar, prontos a unirem credos e juntos se lançarem em nova ofensiva contra quem quer que lhe faça frente a ela, que tanto os admira, que tantas vezes se esconde no quarto para secretamente procurar o velho cesto, debaixo da cama, nesse escuro de meia noite, onde nenhum inimigo ousa nunca sequer espreitar.
Naquela manhã, ainda o sol era um projecto inacabado e já todos verificavam armamento e munições, prontos para a chamada que minutos depois ecoaria naquele quarto mal iluminado, nome após nome, "presente" seguido de "presente", alinhados, prontos, mobilizados, altivos, capazes, os heróis de Margarida iriam de novo sair para o combate, iriam de novo acompanhá-la escondidos, encorajando-lhe os passos, sentindo-lhe os movimentos, levando-a por diante rumo a nova conquista, nesta guerra de dias intermináveis e horas eternas que ela prefere sempre chamar de processo, apenas mais um processo, mais um processo que sei, tenho a certeza, ela vencerá.