"Escrevo-me. Escrevo o que existo, onde sinto, todos os lugares onde sinto. E o que sinto é o que existo e o que sou. Escrevo-me nas palavras mais ridiculas...e nas palavras mais belas... Transformo-me todo em palavras." - José Luís Peixoto
"Escrevo-me. Escrevo o que existo, onde sinto, todos os lugares onde sinto. E o que sinto é o que existo e o que sou. Escrevo-me nas palavras mais ridiculas...e nas palavras mais belas... Transformo-me todo em palavras." - José Luís Peixoto
Um dia o contador de estórias sentou todos à sua volta, como sempre fazia, e começou por um era uma vez diferente de todos os outros, mais grave, circunspecto, quase dramático. Talvez aquela vez tivesse mesmo sido uma vez na sua ou numa outra qualquer vida e por isso o contador de estórias tinha o rosto sério, como que segredando o mais valioso e profundo de todos os silêncios, finalmente acabado.
Há silêncios que o são durante demasiado tempo. Guardados muitas vezes numa gaveta dentro de nós próprios, dobrados mesmo por baixo da angústia e por lá vão ficando, transformando desejos em rendições, vontades em desistências. São pesados esses silêncios, rasgando no peito um buraco difícil de sarar, indo para baixo e para baixo. Tão para baixo que impossíveis de resgatar, de partilhar, de falar.
Nesse dia, o contador de estórias falou, falou, falou. Volta e meia soltava um sorriso, mas o brilho dos seus olhos não enganava ninguém. Havia muita emoção naquelas palavras. Havia vida não vivida, havia amor não amado, havia tempo que não voltaria a ser tempo. O seu tempo. Porém, quando as suas palavras se esgotaram, o contador de estórias levantou-se e saiu a correr. Parecia ter pressa. Parecia ter voltado a acreditar. Estava mais leve.
Dizem que correu atrás da vida, do amor, do tempo.
É verdade que sou um pouco suspeito para falar de música, visto que a sua importância na minha vida poderia ser equiparada à do ar. Ela acompanha-me desde que acordo até que saio de casa, acompanha-me na viagem para o trabalho e no próprio trabalho ao longo do dia. Acompanha-me ainda no regresso a casa, faz parte do meu serão e é por fim, responsável pela minha entrada no mundo dos sonhos.
Não me imagino viver sem ela. Para mim, o estilo nem é importante visto que gosto de quase todos. Nem acredito muito nisso dos estilos. Acredito na boa música. Mas o que realmente mais gosto é a maneira como ela se cola a momentos ou pessoas importantes da nossa vida. E gosto da forma como esses momentos ou pessoas voltam a acontecer na nossa cabeça sempre que a tal música resolve aparecer e fazer-se ouvir.
Foi o que me aconteceu no preciso momento em que pensava – caramba, não tenho nada para escrever hoje. De repente, começou a tocar uma linda balada dos Aerosmith chamada I Don’t Wanna Miss a Thing e logo me lembrei de uma viagem que fazia para o emprego. Era de manhã. O sol brilhava no azul do céu. A música linda, sempre linda. E lembro-me do momento em que pensei – Incrível, tantas vezes que ouvi esta música e nunca ela fez tanto sentido como hoje.
…e não quero escrever, não vou escrever, não tenho nada para dizer, peço desculpa se indelicado mas sou assim mesmo, sincero e hoje não quero, não me apetece, não tenho motivação nem vontade, não tenho nada para dizer por isso não vou escrever, não me apetece pensar, vou pensar no quê?, nada e por isso hoje, textinho é mentira, é para esquecer assim como este dia, todo ele para esquecer, talvez seja mesmo o melhor por isso adeus dia, adeus textinho…
...em vez de textinho, deixo a letra da musica que neste momento mais que encanta. É uma homenagem a uma pessoa muito especial para mim. Ouçam e deixem-se levar como eu deixei...
You are my sweetest downfall I loved you first, I loved you first Beneath the sheets of paper lies my truth I have to go, I have to go Your hair was long when we first met
Samson went back to bed Not much hair left on his head He ate a slice of wonder bread and went right back to bed And history books forgot about us and the bible didn't mention us The bible didn't mention us, not even once
You are my sweetest downfall I loved you first , I loved you first Beneath the stars came falling on our heads But there just soft light, there just soft light Your hair was long when we first met
Samson came to my bed Told me that my hair was red He told me i was beautiful and came into my bed Oh I cut his hair myself one night A pair of dull scissors and the yellow light And he told me that I'd done alright and kissed me till the morning light, the morning light and he kissed me till the morning light
Samson came back to bed not much hair left on his head Ate a slice of wonderbread and went right back to bed Oh, we couldn't bring the columns down Yeah we couldn't destroy a single one And history books forgot about us And the bible didn't mention us, not even once
Está frio. Muito frio. Saio à rua e o frio sufoca-me de tão frio. Castiga-me a pele, seca-a, quase a rasga como que me punindo por algo que acho que não fiz. Pelo menos não me lembro de ter feito. Tento enganá-lo em sucessivas camadas de roupa, mas ele, esperto, frio, descobre as pequenas nesgas em aberto para se infiltrar em mim, sem hesitar ou perdoar, tentando gelar-me por completo.
O frio é frio. Impiedoso. Nada nem ninguém lhe consegue fugir. A casa está fria, as paredes frias, os puxadores das portas frios, a cama fria, os livros frios, os discos frios, o ar frio, as teclas frias. Eu frio. Quase frio. Luto com ele, não me rendo, faço-lhe frente, empurro-o, digo-lhe que me deixe, digo-lhe que vá para a rua ou para onde quiser, mas que me deixe em paz, que me deixe quente porque é quente que me sinto.
O frio é frio. Encolhe, faz mirrar, torna pequeno o que outrora foi grande, ou pelo menos maior. O frio contrai. Prende. Mais se parece com uma força inventada para contrariar, apenas para contrariar e apenas porque sim. Mas hoje não. Apesar de frio, é quente que me sinto, invadido por uma leveza que me aquece o espírito e me faz olhar a rua de sorriso no rosto. Talvez porque veja um sol que mais ninguém vê. E talvez seja esse sol que me aquece. Talvez.
Lisboa vista de cima brilhava no escuro da noite. Imensa, com milhões de luzes que apesar de acesas, mais pareciam intermitentes numa aparente tranquilidade que a distancia ajuda a acentuar. O mundo estava longe, bem longe. Diria mesmo que naqueles instantes, o mundo nem existia, engolido pela imensidão de um sorriso que ao rasgar-se, abria pequenas covas num rosto que ainda agora não consigo esquecer.
O frio derreteu-se todo no calor que emanava dos olhares directos e profundos, focados um no outro, alheios a tudo e ao resto. As palavras explodiram e correram toda a noite, ao sabor da descoberta, umas atrás das outras, sempre vivas, repletas de histórias que ontem se cruzaram, naquele preciso momento em que a perfeição parecia não poder ter fim. Naquele momento que apenas o sono venceu, quando a noite já se mascarava de manhã.
O hoje chegou apressado, sem piedade, empenhado nessa normalidade sem o escuro da noite que vê Lisboa de cima, tão dentro do mundo, tão longe do sorriso que se rasga em covinhas. O frio vence, os olhares descruzam-se, as palavras silenciam-se para se transformarem em escrita. Na escrita de uma história que talvez seja a mais bela delas todas e cujo fim se espera seja tão ou mais feliz quanto estes dias que aqui recordo, saudoso.
Começo por pedir desculpa, mas realmente hoje é um daqueles dias em que as ideias resolveram meter gazeta, provavelmente também elas a pensar nesse fim de semana grande que se avizinha. Podiam ter esperado mais um pouco, afinal só faltava o texto de hoje e depois sim, poderiam ir gozar uma merecida folga, longe delas próprias que as imagino cansadas umas das outras e da luta que todos os dias travam entre si para se fazerem ouvir.
Não deve ser fácil ser ideia. É muito o que se lhes exige, senão vejamos. Criatividade. Sim, uma ideia que não seja criativa, deixa logo de o ser. Pior ainda, criatividade e novidade. Pode até ser uma ideia criativa, mas se não for nova, se já tiver sido tida por alguém, passa logo a ser uma ideia em segunda mão e isso não é boa ideia. Por fim, a luta por se revelarem geniais, ultrapassando a desconfiança de quem as tem e dos outros que as ouvem.
Eu não queria ser uma ideia, queria apenas tê-las em número suficiente para me manter sempre fresco e competente na minha profissão bem como nos textos que aqui escrevo. Não sei se o consigo ou não, mas essa é a minha luta de todos os dias e porque nem todos os dias consigo ganhar essa luta, começo por pedir desculpa, mas realmente hoje é um daqueles dias em que as ideias resolveram meter gazeta e por isso, não faço ideia do que escrever.
Quem a conhece tão bem quanto eu, sabe tratar-se de uma personagem no verdadeiro sentido desta palavra. Digo isto pelo seu carisma único, muito próprio, tantas vezes cómico, mas sempre de uma pureza e bondade verdadeiramente exemplares. Falo de uma mulher que se torna enorme pelo aquilo que é e representa para mim. Falo de uma mulher que cumpre hoje mais um aniversário. Falo da minha avó Lulú.
Não consigo imaginar um almoço na sua casa sem uma repetição infinita de frases como “come mais um bocadinho” ou “vou-te descascar uma peça de fruta” mesmo que seguidas de um “não” da minha parte. Não consigo imaginar a minha história como pessoa sem a sua presença, sem o seu afecto, sem a sua preocupação, sem o seu humor, sem as suas dores aqui e ali e acolá, sem a eterna troca de nomes dos netos Pedro por Marco e Marco por Pedro.
Hoje é de facto um dia especial, por isso, presto daqui a minha homenagem à minha avó, desejando-lhe que continue a desempenhar o seu papel tão bem no futuro como o fez até hoje. Presto também homenagem a uma outra mulher que me conquistou nestes últimos doze anos, pela sua personalidade, força e convicção. Falo da Ana que também hoje completa mais um aniversário. Tudo de bom para ti e para os teus que são, como sabes, os meus!
Foge-lhe o tempo, escorrega-lhe a vida, como que a deslizar de si mesmo, sem controle, fatal como um destino que se lhe impõe, tirano, fechado, triste. Pesa-lhe conhecer um vazio transbordante, repetindo-se em sucessivos nadas que tanto parecem quando juntos, dentro de um existir viciado em vida, sedento dela, perdido em finos fios de água escorridos da alma por um rumo que teima em não revelar-se.
Turva-se-lhe a visão, perdida entre a realidade sonhada e o pesadelo vivido, num confronto cego ou talvez escondido mas sempre invisível, dentro de si mesmo, tabelando nas paredes do seu corpo. Grita uma angústia que ninguém ouve, angústia de si mesma, gigante mas muda na forma de dizer presente, aqui, hoje, agora, sempre, para sempre. Uma corrente demasiado forte para contrariar, num esforço tão grande como inglório.
Resta-lhe continuar, fiel a si mesmo, num esforço de vida, pela conquista de um sorriso que primeiro forçado, mais tarde solto sem aviso, quem sabe repleto de um brilho reflectido no olhar tornado luminoso, profundo, feliz. Resta-lhe olhar o mundo sem nada esperar dele, empenhado em construir, em fazer acontecer, acontecer a vida que lhe vive cada instante, como se o ultimo, o mais importante, o instante mais esperado. Esperado desde sempre.
Marquei um encontro comigo mesmo e resolvi aparecer. Desta vez não me desculpei com trabalho para voltar a faltar, até porque já começava a ser repetitivo o trabalho, o trabalho, o trabalho, enquanto eu, ali, à espera de mim mesmo. Sendo assim, enchi-me de coragem e fui ao meu encontro, sem saber o que esperar, mas confiante, afinal de contas talvez uma conversa pudesse resolver a coisa. Meti férias, uma semanita, fiz as malas e arranquei.
Quando cheguei, não sabia muito bem como lidar com esta situação. Ir ao meu encontro…mas de que forma? Onde estaria eu? Como me encontrar? E depois, fazer o quê? Falar comigo mesmo? Ouvir-me? Duvidas que me ocuparam o pensamento à medida que via os dias a passar. De mim, nem um sinal. Nada. Procurava por todos os lados e quanto mais procurava, mais difícil parecia a missão de me encontrar a mim mesmo. Iria eu faltar novamente?
Não sei. Ainda agora não sei responder. Sei que resolvi descontrair e deixar-me levar pela vida, como a corrente de um rio e lentamente fui começando a sentir-me mais eu próprio, outra vez perto da minha essência, perto de mim. E cá estou de novo, regressado e renovado, pronto para não deixar que o trabalho ou o que quer que seja me volte a afastar de mim. É que, quanto mais nos afastamos, mais difícil fica de regressar.