24
Ago06
Era uma vez um texto vazio.
Marco
Era uma vez um escritor. Não propriamente um escritor daqueles de corpo e alma capazes de encher livros inteiros de palavras que parecem nunca repetir-se. Não, nada disso. Nem sequer daqueles escritores que parecem levitar por este mundo onde nada lhes diz respeito, nada lhes toca visto flutuarem ao sabor do seu génio, ao sabor das palavras que tão bem sabem arrumar.Este escritor dedicava-se apenas a encher-se de palavras. Todas as noites, depois de todos os dias, de todas as horas, o mesmo ritual. Sentava-se, olhava-se e começava. Palavra atrás de palavra. Dando corpo a si mesmo. Escrevendo-se descrevendo-se. Criando verdadeiros eus que se tornavam em nós depois de lidos. Recriando-se a si próprio segundo ele próprio.
Certo dia, que era já noite, como todas as noites, esse escritor não escreveu. Não escreveu porque na hora em que se sentou e se olhou, não começou. Não conseguiu começar. Nessa noite, o vazio venceu-o. Foi mais forte. Foi de tal maneira forte, de tal maneira imponente, de tal maneira esmagador, que esse escritor resolveu homenageá-lo e escreveu-lhe este texto.