Três anos.
Três anos depois nada mudou, nada ocupou os lugares que deixaste vazios porque na realidade nenhum desses lugares vazios, tu ainda invisível em todos eles, fazendo parte de cada detalhe, cada pormenor, tu escrito nas paredes, escondido nas gavetas, dobrado no roupeiro, tu em todo o lado, fazendo da casa aquilo que nunca deixará de ser, tu história, tu memória, tu presente e futuro, tu a viveres muito depois de há três anos, tu vivo hoje, aqui, agora, vejo-te entrar a porta, distingo-te o cabelo de prata e os olhos de mar profundo, encanta-me o teu sorriso castiço que afinal sorriso nenhum, gargalhada, alta, verdadeira, gargalhadas com significado, com vida lá dentro, coisas do arco da velha, as pedras que esculpiste, as viagens que fizeste, as coisas que criaste, tudo hoje ainda real, nada mudou, nada, o que lutaste, o que sofreste, o que acreditaste, nada mudou, vejo-te entrar na porta, sinto-te o cheiro, respiro-te, admiro-te e penso - os heróis afinal existem, penso ainda - quero ser como tu, quero saber o segredo da simplicidade, conhecer o truque da dignidade, quero poder dizer, daqui a uns anos, uma ocasião e depois com a tua graça, com o teu jeito em cativar, ter os olhos brilhantes dos netos a olharem-me e a sorrirem-me no fim, a sorrirem-me não, prefiro gargalhadas, daquelas altas, verdadeiras que só tu sabes fazer e digo sabes porque três anos depois nada mudou ou melhor, mudámos nós com a ideia de seres invisível mas apenas isso, invisível, um super poder que nunca me ensinaste talvez por achares que ainda me falta viver e escrever muita história até um dia ser, finalmente, herói. Como tu.