Flashes.
À entrada havia um tremendo par de chifres mesmo por cima da porta que se abria com dificuldade, como que pedindo certezas absolutas antes de qualquer gesto. O tempo ali era pouco iluminado. Johnny Cash flutuando por cima das pessoas que nunca antes tinham sido tanto elas próprias. Ali, não lhes restava mais nada. Elas e elas. O balcão feito de madeira gasta e riscada suporta-lhes os cotovelos e os copos com que apagam as chamas que lhes fustigam a alma. Histórias avulso. Vidas longínquas a cruzarem-se naquele ínfimo ponto de coisa nenhuma, apenas elas e elas e mais nada, nem passado, nem futuro. Elas.
Na rua, havia o frio a ocupar o espaço deixado disponível pelos prédios e pelos carros e pelas pessoas que corriam a desviar-se dele. Havia uma noite que apressava todos os processos, como se esta tivesse cara de monstro ou fizesse mal à saúde, provocando a pressa, roubando tempo ao tempo. Um tempo de segunda. Menos valioso. Menos tempo. Feito para passar rápido, de fugida, num instante. Sobrava o frio, na forma de vento, derrapando nas esquinas, fazendo rodopiar as folhas desistentes, conformadas com a distância crescente entre elas mortas e elas vivas, alegres, no topo de uma qualquer árvore esquecida.
Da janela que nem é janela mas antes um ecrã gigante, o mundo ganha uma dimensão silenciosa que o torna estranhamente cinematográfico. Como se as pessoas fossem personagens e os seus movimentos tudo menos espontâneos, sendo cada gesto um pedaço do guião, cada movimento um acto ensaiado com minúcia, todos os dias, à mesma hora, no mesmo local. Da janela, ou melhor, no ecrã, o mundo é um local distante e existem personagens que se representam a si mesmas enquanto não passa a noite, que é tempo roubado ao tempo, do lado de fora da porta que se abria com dificuldade, como que pedindo certezas absolutas antes de qualquer gesto.